Chapter 1.
As coisas não pareciam estar indo muito bem para os X-Men.
Uma missão que começou como uma operação de resgate a mutantes sequestrados pelos Amigos da Humanidade (patrocinados pela O.R.C.H.I.S.) escalou rapidamente e, em minutos, os mutantes se viram numa perseguição a uma locomotiva desgovernada.
No início, Jean e Firestar - as voadoras disponíveis - saltaram do Proudstar a fim de parar a trajetória do trem. O veículo estava muito rápido e seguia por um caminho que acabaria em trilhas inacabadas, o que faria com que ele caísse alguns metros até, finalmente, atingir a Treehouse dos X-Men. A explosão não só a engoliria, mas também faria o mesmo com quaisquer pessoas e edificações ao redor num raio de dez quilômetros. Isso tudo sem contar as pessoas dentro do trem, é claro. Os Amigos da Humanidade o haviam sequestrado na hora do rush então ele estava pipocando com reféns. Para piorar, um peso-pesado totalmente desconhecido estava sob um dos vagões, disparando no Proudstar.
Era um robô com pouco mais de dois metros. Sua armadura cobria o corpo todo e era roxa-escuro. De suas mãos, rajadas contínuas e flamejantes que pareciam bem nocivas. Angelica Jones - a Firestar - estava com dificuldades para o manter distraído enquanto Jean Grey se projetava alguns metros na frente, utilizando tudo o que tinha para conter danos o máximo possível. O robô dispara em Firestar, que desvia por pouco.
"Ele está voltando para mais! Cuidado, Bobby!"
"Pode crer, Angie! E ele trouxe amigos!"
"Eu avisei, não avisei?"
"Agora não é a hora, Illyana."
"É, Illyana, agora não é a hora."
"Também lhe diria que agora não é a hora, Alex, mas lidei com crianças o suficiente para saber que não adianta."
"É muito engraçado ver vocês brigando por telepatia. Ou deveria dizer sentir? Ruiva, me ajuda aí."
"Me desculpe, Forge, se não posso me juntar a você e admirar a milésima discussão entre meu marido e cunhado, mas servir de canal de comunicação para vocês se matarem enquanto salvo dezenas pessoas de morte por atropelamento/esmagamento está exigindo mais esforço do que imaginava. A tensão psíquica de quase cem Amigos da Humanidade que querem me rasgar em duas também não está ajudando, já que vocês realmente querem saber, mas não se preocupem. Não pode ser mais difícil do que erguer algumas toneladas de explosivos longe de qualquer sinal de vida, certo? Podem continuar com a conversinha de vocês. Com toda certeza ela é mais importante."
O silêncio que se seguiu era praticamente palpável. Como se tratava de um canal psíquico, essa frase tem um fundo de verdade ainda mais sólido.
Jean nunca foi nenhuma tagarela durante as missões. Sempre se reservou ao direito de falar apenas o necessário, deixando suas atitudes e pensamentos falarem por ela. Scott, por outro lado, tinha de ser mais aberto sobre o que pensava e desejava em campo de batalha. Uma grande ironia já que, se tratando de transparência emocional, Scott era praticamente um leigo enquanto Jean expressava o que sentia com a intensidade de mil sóis. Bem literalmente, às vezes. Eles funcionam de formas praticamente utópicas numa relação de troca harmônica de alguma maneira que apenas eles entendiam. O que Jean tinha em falta, Scott tinha em demasiado. E vice-versa.
Ainda assim, vez ou outra, o casal se encontrava em situações difíceis e desgastantes nativas de suas naturezas opostas. Exatamente agora, aliás, Jean estava bem irritada com o marido pois ele havia feito o impensável para Scott Summers: ele havia misturado a emoção com a razão.
"Illyana, preciso de extração de civis à esquerda do trem. E um portal grande. Muito grande. Bobby e Angelica, vocês irão abrir caminho enquanto eu acabo com os invasores. Forge, consegue parar essa coisa? Algum pulso eletromagnético ou algo do gênero?"
"Jean, eu-"
"Você nada, Scott. Os Summers já fizeram o bastante por essa missão. Fiquem no Proudstar e se preparem para a extração da equipe. Para o resto de vocês... "
- A mim, meus X-Men!
Magik é a primeira a desaparecer, rasgando um portal no ar com sua Soulsword. Firestar e Iceman se erguem com seus respectivos elementos, os usando para inutilizar os trilhos e tentar, mesmo que inútilmente, impedir o trem-bala. Forge deu um jeito de saltar até a cabine do piloto com suas bugigangas.
Com um acenar de mãos, Jean direciona os explosivos e projéteis que a cercavam para se tornarem uma saraivada direcionada que atinge o tal robô bem no peito. Para sua irritação, o inimigo se cercou com um campo de eletro-força de último momento. Jean estava perdendo a paciência.
- Se você está tão ansioso para ser o alvo do meu estresse, monstro de lata, por mim tudo bem.
Em seguida, pousa sobre o vagão no qual seu oponente a esperava. A ruiva de verde estava de costas para o vagão do piloto, sentindo os cabelos cor de fogo serem açoitados pelo vento em direção a sua nuca. Ela encara o robô alguns metros maior que ela com os olhos verdes brilhando em rosa-neon. A diferença de tamanhos, para um leigo, seria uma desvantagem. Já Scott, que observava o embate do assento do piloto da nave, sabia que era apenas questão de tempo até que o robô se transformasse em nada.
O primeiro ataque parte do robô. Depois de apontar uma mão para ela, ele dispara uma espécie de arpão de energia em Jean. A psíquica, por sua vez, ergue a mão na altura do rosto e, naquela parte, cria uma faceta psicocinética na mesma cor rosada que apara o ataque. Irritada com um milhão de coisas, a ruiva expressa sua vontade telecinética de forma ofensiva para arrancar um dos braços do robô sem o menor esforço, apenas repuxando o próprio braço esquerdo para trás. O membro arrancado flutua ao lado de seu antigo dono, cercado pela energia rosada característica de Grey. Graças a isso, Jean tinha total ciência do material que controlava. Ela sabia exatamente o que era e onde já o havia encontrado.
- Adamantium? Desde quando a ORCHIS tem acesso a Adamantium? - Ela indaga enquanto mantinha a peça flutuando. Mesmo que rosados e brilhantes, seus olhos exalam um ar analítico e afiado. - Forge vai gostar de te estudar. Apenas espero que ele não sinta falta das pernas...
Era bom não precisar se segurar.
Sempre que enfrentava um ser vivo, Jean precisava tomar cada decisão pensando em tudo o que poderia acontecer caso não se segurasse.
Um parafuso mental descalibrado poderia levar alguém ao coma com facilidade. Um empurrão telecinético poderia arrancar a pele dos ossos de uma pessoa caso Jean não segurasse sua própria força. Por isso, quando a ruiva se via enfrentando máquinas apáticas e inanimadas, ela simplesmente soltava tudo o que não poderia normalmente.
Era nisso que pensava quando ouviu pensamentos que não deveriam estar dentro de um robô.
"Estou pronto para você, Deus. Eu estou."
Os olhos da ruiva voltam a ser verdes. O braço para de flutuar e o robô cai de joelhos diante a heroína estarrecida.
- Só pode estar brincando comigo.
Jean ergue a palma direita em direção ao robô, a abrindo com força. O robô, por sua vez, reage como se ele estivesse preso a cordas de ventriloquismo ligadas a cada dedo da psíquica. O torso da armadura é literalmente esmagado e, em seguida, arrancado como se sugado por um aspirador a vácuo. De seu interior, cai um jovem homem em um macacão preto.
- Você não tem noção do perigo que acabou de correr.
Ele se ergue em seus próprios joelhos, encarando Jean de baixo para cima com os olhos brilhando com ódio.
- Esses malditos psi-shields! Se não tivesse quebrado as defesas dessa monstruosidade que estava vestindo eu poderia muito bem tê-la destruído com você dentro!
- Acha que me importo com minha própria vida, bruxa? Todos que estão comigo na luta contra sua espécie imunda estão dispostos a morrer por ela. - Ele diz enquanto infla o peito com ódio. - Você é uma serva do fogo e da danação eterna que ensinou a todos seus seguidores imundos como enganar a morte, mas isso não vai importar. Não mais. Mesmo com suas formas de voltar à vida depois que o mundo já acabou com vocês, a humanidade ainda é a maioria na Terra. E nós estamos dispostos a morrer por ela. E você? Está disposta a morrer por um planeta que não lhe pertence? Por uma vida que não merece?!
Ela sente vontade de gritar. Como tantas pessoas podem ser tão ignorantes? Como o mundo pode ser tão injusto a ponto de dar um jeito de unir todas elas e espalhar ainda mais ódio? E ainda assim, mesmo com tantas coisas a dizendo para virar as costas para toda a humanidade que ainda restava em sua vida, Jean não conseguia deixar seus pensamentos mais sombrios se tornarem realidade. Ela sabia, mesmo que debaixo de tanta crueldade e ignorância, que eles não passavam de crianças. Crianças que precisavam ser guiadas. Salvas.
Ainda assim, mesmo que estivesse presa a uma vida de servidão, era de se esperar que perguntas como "você está disposta a se sacrificar por nós?" não lhe fossem feitas após anos de morte e ressurreição.
Jean literalmente morreu não só pela Terra, mas por toda a galáxia. O universo. Tudo isso depois de dedicar sua vida a ajudar os outros, sejam mutantes ou humanos. Ainda assim, mesmo com todas essas boas coisas pairando sobre Jean, ela sentia como se apenas seus erros fossem lembrados. Suas falhas. Seus crimes.
Depois da confusão do Dia do Julgamento, Jean estava bem... armada, por assim dizer. Para a ruiva, encarar seus defeitos era difícil, mas não impossível. Agora fazer as pazes com o fato de que existem coisas sobre você que jamais irá mudar ou compensar? Isso a deixava maluca. Irada. Inconformada.
- Não adianta discutir com você e nem com ninguém que usa o ódio como bandeira. - Ela responde, com os lábios trêmulos, enquanto aponta seu indicador para o homem. Ele se retrai, assustado. Isso apenas a desestabiliza ainda mais.
É aí que ela finalmente desiste de continuar essa batalha. Era hora de ir embora e acabar com esse maldito dia.
Fecha os olhos e expressa seus poderes da forma mais básica e eficaz que consegue: a de uma marreta neural. A mente do homem - Brian Cunningham - pairava como um mosquito no campo mental.
"Durma."
Mesmo tendo o ódio - uma das mais poderosas emoções - como motivador, Brian não consegue resistir. Sua mente, num plano metaforicamente realístico, não passava de um pontinho azul e brilhante. A de Jean, por outro lado, se manifesta como um enxame rosado e cintilante que circunda o pontinho azul de forma sistemática. Instantaneamente, ele se torna rosa e dormente. Brian cai de joelhos.
Algumas horas após o trem ser salvo, os Amigos da Humanidade serem detidos e os X-Men voltarem à Krakoa, Jean e Scott levaram o Proudstar de volta à Treehouse. Mesmo que alguém da equipe tivesse a intenção de os acompanhar, o clima cheio de faíscas e mau encaradas de Jean deixou bem claro o que aconteceria. Todos chegaram à silenciosa conclusão de que Scott não gostaria de companhia na conversa que teria com a esposa naquela noite.
O casal perambula pelo salão de convivência da Treehouse. Jean vai na frente, pisando com força. Scott aperta o passo para a acompanhar.
- Pode, por favor, parar de me ignorar agora? Eu sei que não fui o melhor líder hoje, mas sua raiva está tão visível que estou me perguntando se a está projetando em mim.
- Acredite, Scott, se eu estivesse projetando a minha raiva - toda a minha raiva - em você, já estaria abrindo um buraco no núcleo da Terra com os olhos.
- E por quê está tão nervosa? Não pode ser apenas pelo que aconteceu mais cedo. Alex e eu nunca ficamos na mesma página por muito tempo, como você bem sabe, mas agora ele está tão... tão inconsequente. Arrogante. Irresponsável. Ele não leva nada a sério e eu simplesmente não posso suportar alguém assim na linha de frente krakoana - muito menos o meu irmão!
- Scott, por favor, pare de falar. Minha cabeça está explodindo desde o trem e te escutar justificar seu comportamento injustificável só está piorando.
A ruiva se assenta no fofo e longo sofá, colocando as mãos ao redor das têmporas. Depois, tira a headband do uniforme e apoia a cabeça sobre a primeira almofada que encontra. Como ela doía.
Scott percebe e se assenta ao lado da esposa. Ele leva a esquerda até a própria cabeça e arranca sua máscara, deixando seus cabelos castanhos-avermelhados bem cortados à vista. Tateia a bancada à procura de um óculos de quartzo-rubi reserva. Quando o coloca, volta a enxergar o mundo em vermelho.
- Jean, o que está acontecendo? Eu sei que errei e peço desculpas por isso. Você nem falou nada sobre o que estava pensando sobre isso tudo, mas sei que está certa. Você sempre está. Mas odeio te ver assim. Me conta o que está acontecendo, por favor.
Ela suspirou, exausta. As mãos de Scott repousam sobre seus ombros numa singela massagem e, mais uma vez, Jean tem a prova de que a presença do marido é tudo o que ela precisa quando as coisas estão muito difíceis. Finalmente deixa a pose irritada para trás e se deita no peitoral de Scott, se deixando desabar pela primeira vez em meses. As lágrimas não demoram para escorrer, mas Jean demora um pouco para começar o desabafo. Depois que ela começa, no entanto, é como se não fosse parar nunca mais.
- Por onde eu começo? Bom, as coisas estão ficando complicadas desde o Dia do Julgamento. Você sabe que fui julgada. E eu falhei. E isso me deixou irada. Literalmente peguei fogo de tanta raiva. - Scott arregala os olhos ao escutar essa parte, mas nada diz. É claro que a Fênix passou por sua cabeça. - Stark, Logan e os outros acharam que não passava de orgulho ferido por ter reprovado em um teste estúpido, sabe? Como se eu não passasse de uma garotinha com complexo de perfeição! Mas você sabe que não é tão simples. Você sabe que não sou tão rasa. - Dá um pequeno engasgo e suspira. - Ele me chamou de violenta, cruel, hipócrita e... Aquele maldito celestial... ele... - Ela tenta continuar, mas as lágrimas se juntam a suspiros dolorosos e ela solta um soluço dolorido.
- Relaxa, Jean. Eu estou aqui. Sempre vou estar.
Ele a segura com mais força nos braços.
- Ele não mentiu em absolutamente nada. Em nada. Eu sou tudo isso, Scott. Eu sou. Eu sei que sou. A grande e má Fênix, queimando todas as mentiras de todo mundo enquanto esconde as suas próprias com unhas e dentes...
- Você está sendo muito injusta, amor. Com você, no caso. Todos nós temos qualidades, alguns mais que outros, assim como defeitos. Você, Jean Grey, por mais que pareça ser de outro mundo, é tão humana quanto qualquer um de nós. - Ele abre um sorriso ladino, quase como se achasse bobo demais por falar algo assim. - Não! Você é ainda mais humana do que a maioria de nós. Você é cheia de amor e paixão... é intensa... e tudo isso culmina em um temperamento forte e, às vezes, hostil. Mas isso não te faz um monstro.
- Ele disse que você tem medo de mim, Scott. Que te passou no teste por ter coragem o suficiente para superar seus medos e dormir comigo.
Scott fica em silêncio por alguns momentos. Jean sente vontade de pedir, de implorar, que ele diga alguma coisa, mas não queria o apressar. Nem o assustar. Não mais ainda, pelo menos. Deus sabe que ela jamais faria isso, mas pensamentos intrusivos sempre tentavam a empurrar para o lado da manipulação mental tão usufruído por Charles.
- Você não acha que ele foi assustadoramente vago? Quero dizer, eu teria medo de você a respeito de quê, exatamente? De você derreter meu cérebro ou esmagar cada átomo do meu corpo? Vamos lá, Jean. Você sabe bem que não é tão simples assim. Nada sobre nós é simples assim.
- Então você admite que tem medo de mim?
- Eu tenho medo de várias coisas ao seu respeito, sim. Tenho medo de não ser bom o suficiente. De não te fazer feliz o suficiente. De não ser digno de você. De não conseguir te salvar, mesmo que quase nunca precise. Tenho medo de você, um dia, acordar cansada da nossa vida mundana e frustrante e erguer vôo em direção aos céus e, finalmente, deixar a deusa dentro de você tomar conta.
Ela para de chorar e apoia suas mãos sobre as dele.
- Você é minha vida, Jean. Sempre foi. Sempre vai ser. Mas o que mais me aterroriza sobre você - e, ao mesmo tempo, o que mais me enche de orgulho - é saber que você não é apenas a minha vida. Você é vida. A minha, a de Rachel, a de Cable, a de Hope... a da Terra. A porra da galáxia inteira, se quer mesmo saber. Você é minha, assim como eu sou seu, mas, ao mesmo tempo, você é mais do que eu jamais seria capaz de entender. E isso me assusta, Jean. Você me assusta. Como não assustaria?
É claro que ela volta a chorar. O abraço do casal estava bem mais apertado do que estava no início.
- Mas eu não queria ser desse jeito. Eu não me via desse jeito. Quer dizer, eu sei que a Fênix sempre te assustou, talvez até mais do que me assustava, mas ela não é digna de menção em nossas vidas desde que voltamos dos mortos. Apesar de termos um elo psíquico, nunca vasculhei sua cabeça para saber o que pensava e sentia sobre mim. Tanto por te respeitar quanto por saber o que você sentia por mim. Ou pelo menos achar que sabia.
- Você sabe que não é assim... Você sabe o que sinto por você. Sempre soube. Bem antes de que eu soubesse para ser honesto.
- Eu sei, Scott. Eu sei. Ainda assim, não é fácil entrar em bons termos com uma realidade que eu nem sabia existir. Muito menos uma que nos diz tanto respeito.
Com o rosto um pouco desconcertado, o Ciclope repousa o queixo sobre o topo da cabeça da ruiva.
- E eu entendo, mas não é algo que precise enfrentar sozinha. Você sabe que te conheço mais que ninguém. Sei quando está irritada com alguma coisa que não seja eu.
Ela solta uma gargalhada contida, levando sua destra até a dele. O toque de Scott era quente como o dela. Subitamente, sente um calor subir em seu corpo mas se contém. Agora não era a hora.
- Obrigada, Scott. Obrigada por... bom, tudo. Você também é a minha vida e o meu amor. O meu coração. Não sei o que seria de mim sem você.
- Você ainda seria Jean Grey.
Jean solta outra risada sem graça e finalmente se levanta do colo de Scott para se assentar com as pernas apoiadas sobre as dele. Seus olhares se entrelaçam.
- Já ouviu tanto uma palavra que ela começou a perder o sentido?
- Quer falar disso?
- Talvez. Mas não agora. Agora, nós precisamos falar sobre Alex.
Agora é Scott quem fica quieto. Mesmo tendo visores escuros na frente dos olhos, Jean conseguiu acompanhar a expressão irritada de Scott se formar em seu rosto angulado.
- O que temos para falar dele? Além de que ele é um irresponsável e inconsequente que se recusa a crescer, é claro.
- Scott, ele não está bem. É óbvio tanto para mim quanto para você.
- O que mais ele quer que façamos por ele, Jean? Que deixemos Madelyne Pryor andar pra lá e pra cá? Que ela conviva com nossos filhos e entes queridos? Eu sei que estamos cercados por antigos inimigos, mas ela destruiria o mundo para acabar com a gente. E você sabe. Permitir que aquele monstro voltasse dos mortos com os nossos meios já foi demais.
Irritado, o Magrão se levanta do sofá e vai até a cozinha. Jean o acompanha, revirando os olhos. Chegando lá, ele puxa uma lata de cerveja da geladeira e dispara um filete óptico sobre a tampa. Depois do primeiro gole, se vira para a figura da esposa apoiada na bancada da cozinha com os braços cruzados e o esboço de uma carranca.
- Já terminou de performar sua masculinidade arrasadora ou ainda vai coçar alguma parte do corpo na minha frente?
Scott suspira, um pouco irritado, mas não deixa a irritação causada pelo assunto respingar em Jean.
- Só quero entender o que mais podemos fazer por Alex. Só isso.
- Que tal apenas conversarmos com ele? Ele sabe que não vamos permitir que ela pise em Krakoa, mas Alex ainda é família. A nossa família. - Faz uma pequena pausa, aprumando o próprio corpo no mesmo lugar em que estava. Ainda de braços cruzados, encara o horizonte da janela com certa melancolia. - Você não sabe como é saber o que ele sente toda vez que olha pra mim.
Scott franze as sobrancelhas numa mescla de irritação e espanto. Logo começa a sentir seu sangue esquentar. Jean, mais uma vez, revira os olhos e apoia a palma da mão direita sobre o rosto num facepalm em câmera lenta.
- Pelo amor de Deus, Scott! Preciso te lembrar que tenho o mesmo rosto da mulher que ele mais amou na vida? É claro que ele sabe que eu sou eu, mas seu coração, às vezes, não está pronto para me ver. Você, mais do que ninguém, sabe que não podemos culpar os caprichos do coração. Nós podemos... ou melhor, nós devemos tentar facilitar as coisas pra ele. A situação já está estranha demais do jeito que está.
- Realmente, ela está. Pra gente. Para Alex, por outro lado, tudo parece estar bem do jeito que está.
- Acredite, amor, não está. Nem preciso usar a telepatia para sentir o que ele está passando. Apenas ficar perto dele é o bastante para sentir a confusão que habita sua mente. Seu coração anda em frangalhos. Alex está, em todas as instâncias, quebrado. Ele precisa de nós. Ele precisa de você.
Ele fica em silêncio por alguns momentos. Havia verdade nas palavras de Jean. A mesma verdade que ele escolheu ignorar por todo esses dias. Mesmo estando incrivelmente irritado com o irmão mais novo, Scott sabia bem no fundo que ele não estava normal. Que ele não estava bem. Era hora de engolir o orgulho e ajudá-lo.
Mais tarde, naquela mesma noite e nos interiores dos aposentos do casal Summers, a antiga Redd Dayspring se remexia na cama de um lado para outro, extremamente desconfortável e emitindo suspiros descompassados a todo momento.
- Não... - Ela suspira, absorta em um evento assustador que acontecia apenas em sua mente. Isso, é claro, não o tornava menos real.
Jean abre os olhos em um lugar desconhecido. Um lugar familiar.
O espaço era enorme. A vila realmente parecia uma pequena cidade, repleta de lojinhas e casas rústicas. As ruas estavam vazias. Quase não conseguia ver luz alguma naquele lugar, o que era estranho pois a noite já havia caído. O estádio propriamente dito estava apenas alguns metros à frente.
Sua entrada era um arco enorme feito de tijolinhos vermelhos e grades retorcidas em formas dramáticas, como laços de metal vermelho levemente enferrujados.
- Foi exatamente aqui onde vi o Professor Xavier no meu sonho.
Seus olhos verdes esquadrinharam a área assim que chegou ali, mas essa não era sua melhor maneira para encontrar detalhes. Jean estava ampliando seu campo psíquico o máximo que conseguia, tentando captar qualquer traço psíquico por menor que fosse... mas não encontrou nada. Levou as mãos até as têmporas, se esforçando ainda mais para encontrar alguma coisa, mas de nada adiantava.
No final, irônica e diferentemente do que ela esperava, foram seus olhos que acharam a primeira pista.
- Ali! O Professor estava olhando para aquela janela. - Ela aponta com os dedos enluvados do colant amarelo para uma das janelas da entrada. Franze as sobrancelhas quando percebe os fractais de vidro aos pedaços. - Mas ela não estava quebrada.
Acompanhada pela confusão, Jean retoma seus sentidos afiados. Fecha os olhos com força, sentindo o ambiente ao seu redor pulsar com uma potência que - até o momento - lhe havia sido negada. Era como se ela estivesse usando uma venda até o momento, e agora, mesmo sem ela, ainda possuísse uma visão embaçada que não a permitia ver as coisas com ainda mais clareza.
- Tem alguma coisa ali. Não sei dizer o que é, mas está... viva, eu acho. - Fecha os olhos, repousando dois dedos da mão direita sobre a têmpora enquanto aponta a canhota em direção a tal entrada do Estádio. - É, está definitivamente viva. Sua mente está estranha, mas ainda é uma mente. Mas não é o Nathan. Nem o Professor.
Vira o olhar para Scott, apreensiva. Jean morde o lábio inferior com o canto da boca. Um claro sinal de nervosismo que ele já conhecia bem.
Era hora de Scott fazer o que fazia de melhor e liderar seus X-Men.
Quando Jean acha mais uma pista, o plano começa a se desenhar em sua mente. Ele rotaciona seu indicador para a ruivinha na direção dos demais, um sinal para que ela abrisse a rede psíquica que servia como comunicação.
"Pronto."
A voz de Jean ecoa com tons triplos nas mentes dos X-Men. Isso os assusta. Ela acena negativamente com a cabeça. Em termos mais claros, era como se Jean tivesse berrado com um megafone na cabeça dos Jovens Originais.
"Me perdoem. Não sei o que está acontecendo comigo... Parece que alguma coisa está mexendo com meus poderes."
Ela estava certa sobre isso e não tinha a menor ideia do quanto.
Quando Scott sentiu o toque da jovem em seu cérebro, começou a gesticular enquanto sua mente derrama ordens com liderança natural para os outros.
"Eu e Jean vamos dar continuidade a essa entrada principal. Bobby, Hank: dêem a volta e estabeleçam um perímetro pela saída do estádio; Warren, pela visão aérea. Não deixem passar nada incomunicado aos demais. Tenham cuidado, e tentem avistar antes de serem avistados. "
Quando terminou de repassar o que havia pensado e esperado pelas perguntas, que viriam ou não, ele olhou para Jean, acenando que fosse à dianteira. Em voz alta, e firme, diz:
- Vão, X-MEN.ᅟᅟᅟᅟ
"Tomem cuidado. Por favor."
Desde que haviam chegado ali, a Garota Marvel sentia vibrações psíquicas vindas de todos os lugares. Já havia tentado achar algum sentido nelas, ou até mesmo reconhecer algum traço familiar, mas a enorme quantidade de vibrações dificultava uma impressão mais clara do que realmente acontecia. Era como se sua mente fosse um detector de metal dentro de uma siderúrgica.
Mesmo que tentasse com o máximo que tinha, apoiando ambas as mãos sobre as têmporas, sua aptidão telepática ainda não era forte o bastante para superar seja lá o que estivesse fazendo aquilo.
Quando Jean expandiu seu enlace psíquico até conectar as mentes de seus amigos, no entanto, sentiu um frio percorrer a espinha. Seja por intuição ou não, Jean começa a ter certeza de que estão sendo observados. Rapidamente se virou para trás, por puro reflexo, mas não encontrou nada. Nada além da atmosfera fria e solitária do Estádio Doubleday a noite.
E então, os mutantes se separaram.
O Homem de Gelo e o Fera se esquivam à esquerda e desaparecem na escuridão da lateral do Estádio. O Anjo se despede com uma piscadela e salta em direção ao céu noturno. Ao lado de Ciclope, a Garota Marvel percebe que é hora de saber quem estava dentro da entrada do Estádio. Sem perceber tanto por medo quanto apreensão, eles se dão as mãos antes de passarem por ela.
- Ungh...
Scott e Jean escutam o gemido dolorido assim que entram no recinto. A escuridão ainda era uma realidade, então Scott usa sua visão rubi para iluminar o lugar. Isso os permite ver quem precisava de ajuda.
Ele tinha uns quarenta anos e usava roupas sociais e um crachá da equipe de segurança. Seu nome era Caleb. O homem deitado no chão em posição fetal parecia morto, mas o peito subindo e descendo descompassadamente dizia o contrário. Mesmo assim, ele não parecia bem. Sua testa brilhava com suor e sua mente... mesmo antes de tentar estabelecer uma conexão, Jean sabia que ele não estava bem.
"Ele está inconsciente, Scott, mas sua mente está ativa. Ativa demais para qualquer um que não seja psíquico. Ele quer me dizer alguma coisa, mas não consigo entender o quê. Mesmo que ele esteja praticamente berrando na minha mente, tudo o que consigo discernir é... medo. Talvez se eu me aproximar..."
"Espera, Jean. Você não sabe o que está acontecendo. Talvez seja ele quem está mexendo com seus poderes. Talvez ele tenha feito algo com o Professor e..."
"Eu saberia se fosse. Confia em mim. Ele precisa de ajuda."
A ruiva caminha com cautela até o homem caído no chão. Se ajoelha até conseguir tocar sua cabeça com as pontas dos dedos.
Para uma telepata em treinamento, o toque físico facilita uma incursão psíquica. É claro que o Charles Xavier não precisava tocar ninguém para pegar o que queria, mas Jean não estava nem perto do nível dele, então...
- Tudo vai ficar bem. - Ela murmura, apoiando a cabeça de Caleb sobre seu colo. - Eu prometo.
Jean o toca. Tanto física quanto mentalmente. Seus olhos verdes brilham em rosa e de repente o olhar brilhante de Scott não é a única coisa iluminando aquele lugar.
A ruiva se vê flutuando sobre uma imensidão branca e brilhante. Ela usava o uniforme da Garota Marvel, mas sem a máscara. Seus olhos recaem sobre uma porta negra. Tinha que ser a porta para a mente de Caleb. Tinha que ser.
Ela apoia a mão sobre a maçaneta e a gira. Quando abre a porta, sente uma dor tão agonizante que berra em plenos pulmões sem ao menos perceber.
- Jean?! - De volta ao mundo real, Scott se assusta com o grito de sua esposa.
Seus dedos desesperados pinçam os óculos de quartzo-rubi para que, enfim, Scott consiga entender que sua mulher não apenas berrava em plenos pulmões, mas também flutuava rente ao teto do quarto como uma cena de Exorcista. A cama também estava fora do chão, assim como abajures, cômodas, pantufas...
- Jean! O que está acontecendo? Jean, acorda!
De pé na cama, o homem consegue tocar nos braços imóveis de sua amada. Ele tenta puxá-la para seus próprios, mas não consegue. Simplesmente não conseguia tocar em Jean. Algo parecia o repelir. Era como se a pele da ruiva estivesse protegida por um casulo telecinético que ele não conseguia atravessar. Pensou em usar suas rajadas, mas tinha medo de machucar a amada. Tudo parecia perdido, até que...
- Scott... - A ruiva sussurra com a voz enfraquecida pelos gritos e esforço. - Scott... Tem alguma coisa errada... Com a gente...
O homem franziu as sobrancelhas, obviamente confuso. Ainda não conseguia se aproximar de Jean, mas, agora, ele sabia que ela o escutava.
- Jean, eu preciso que foque nas minhas palavras. Nos meus pensamentos. Nos meus sentimentos. - Ele diz com a voz alta, mas sem gritar. Estava calmo. - Não faço a menor ideia do que está passando, mas tenho certeza que vamos resolver. Juntos. Só preciso que se acalme e volte para a cama. Não quero que se machuque.
Os dois sabiam que uma queda como aquela não era o suficiente para machucar Jean, mas a preocupação de Scott é real. E Jean sente isso. E é justamente isso que a liberta de seja lá o que estava acontecendo com ela, a fazendo cair sobre a cama como um saco de batatas. Ou cairia se Scott não estivesse pronto para a segurar em seus braços. Ele se ajoelha sobre a cama, finalmente se permitindo sentir todo o medo que compartimentou. Seu peito desnudo começa a arfar e a voz ganha tons esganiçados. Estava implorando e orando para seja lá o que existisse sobre eles para que a mulher abrisse os olhos. Quando ela finalmente o faz, Scott solta uma bufada de alívio.
- Ah, Jean... Você me preocupou.
Ele leva o rosto da amada para perto do próprio, trêmulo. Ainda assim, para Jean, a batalha ainda não havia acabado.
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