Capítulo 1
Julho de 2022
Eu mal tinha cruzado o portão de desembarque quando a vi, cabelos loiros presos em um coque no alto da cabeça, olhos verdes cheios de empolgação, camiseta preta com estampa do Homem-Aranha, short jeans que não escondiam a prótese que usava. Ela sorriu, afastou umas pessoas de sua frente e acenou com extrema animação.
Minha irmã era assim, alguém que sempre estava com um sorriso no rosto, diferente de mim. Era muito difícil ver Sina triste, ou aborrecida com algo, mas ainda assim esperava que ela fosse estar um pouquinho chateada naquele nosso reencontro, só que não aconteceu.
Passei pela segurança, larguei minha mala no chão e na mesma hora minha irmã dois anos mais velha estava em meu braços. A abracei com força de volta, controlando a vontade de chorar em público.
Fazia mais de dois anos que não via minha irmã pessoalmente, dois longos anos que mal nos falávamos por conta da discussão que nos dividiu. Sentia tanto a falta dela, naquele instante me senti muito culpado por não ter ido visitá-la antes.
- Como você está? - Perguntei, desfazendo nosso abraço para segurar a cabeça dela e olhar seu rosto.
Nós dois éramos muito parecidos fisicamente. Sina também era alta, mas ainda mais baixa do que eu.
Sina: Estou feliz que esteja aqui, irmãozinho. - Os olhos dela se encheram de lágrimas. - Muito feliz. - Uma lágrima rolou por seu rosto, ela se soltou das minhas mãos para enxugá-la. — Vamos! — Implorou. - Mal vejo a hora de você conhecer Noah. - Citou seu noivo.
Concordei com um aceno de cabeça, pegando minha mala e seguindo Sina para fora do aeroporto. Ela falava os planos para o dia, me instalar no hotel que eu ficaria, depois jantar com a família do noivo dela, para que pudesse conhecer ele e seus parentes.
Aquilo fez a culpa invadir minha cabeça, já deveria conhecer o noivo de Sina. Era seu irmão, sua família, não parecia correto conhecer Noah às vésperas do casamento dos dois. Não deveria ter me mantido afastado tanto tempo, mas me peguei pensando que ela também se afastou e que no fundo éramos dois idiotas.
Guardei minha mala no banco de trás do carro e perguntei:
- Quer que eu dirija? - Seus olhos se voltaram para mim, verdes e furiosos.
Sina: Posso dirigir e sabe disso - Disse com revolta na voz.
- Foi mal - Murmurei.
Sina: Entra no carro. - Ordenou.
Entrei, sem querer tirar ainda mais Sina do sério. Ela era animada, feliz e tudo mais, entretanto quando ficava com raiva não era bom provocá-la e tinha prometido a mim mesmo não criar problemas com o casamento dela tão próximo, queria que seu grande dia fosse perfeito e ponto final.
O carro só não ficou sob uma espessa camada de silêncio porque Sina ligou o som, deixando música pop tocar. Fiquei olhando pela janela, vendo as belas paisagens da Califórnia, ao mesmo tempo em que pensava sobre o acidente que fez minha irmã precisar passar por uma amputação.
Olhei para minha irmã, que estava focada na estrada, dirigindo de fato sem problemas. Ainda assim, ficava preocupado de que ela pudesse perder o controle de sua prótese que começava pouco abaixo do joelho direito.
Eu não aguentaria vê-la enfrentando outro acidente como aquele que lhe colocou naquela situação. Mais um acidente como o que matou nosso pai.
Engoli em seco, meu peito se apertando pensando no homem que tinha nos deixado no verão de 2019. Cinco dias antes o acidente completou três anos, nem entendia porque minha irmã tinha escolhido justo aquele mês assombrado por nosso passado para celebrar seu casamento.
Sina: Ela não sabe mesmo que você está aqui? - Perguntou, ainda sem olhar para mim, sabia que estava falando sobre nossa mãe.
- Não, falei que iria passar alguns dias em Miami com amigos. - Sussurrei, mentir para minha mãe me enlouquecia, não era algo que costumava fazer, mas menti por Sina, que não queria nossa mãe sabendo sobre seu casamento. - Você tem certeza de que...
Sina: Não precisa concluir sua frase - Me interrompeu. - Não quero Úrsula Beauchamp no meu casamento, ela foi uma péssima mãe e não merece compartilhar o dia mais feliz da minha vida.
Eu sabia que nossa mãe era uma pessoa extremamente complicada, tinha conhecimento de cada palavra repulsiva que ela dirigiu para minha irmã, mas ainda assim não conseguia me afastar. Gostaria de dizer que estava no meio do caminho entre ela e Sina, é neutro, mas no final das contas sabia bem que era ao lado da nossa mãe que eu estava e isso era o motivo de ter acabado me afastando da minha irmã.
Sina: Alguma novidade para contar? - Perguntou, mudando de assunto.
- Nenhuma. - Murmurei, outra mentira escapando por meus lábios. Entretanto, como iria falar que a novidade mais recente em minha vida tinha sido um fracasso?
Sina: Nada? - Olhou rapidamente para mim. - E o trabalho?
- Nada novo.
Eu era bailarino na New York City Ballet, um simples integrante do corpo de balé. A família Beauchamp era tradicional no mundo do balé, meus pais foram bailarinos de alto renome no país e exterior, e minha irmã antes de sofrer o acidente já tinha seu nome escalando para se tornar tão grande quanto os dos nossos pais.
E eu amava o balé, mas estava farto. Queria outra carreira, uma que não parecia me querer, algo que minha mãe e irmã não poderiam saber, a primeira porque não me apoiaria, a segunda porque iria me incentivar mesmo que eu fosse péssimo e não queria apoio por pena.
Então, não contaria para ninguém que tinha escrito e publicado um livro, sob uso de pseudônimo, dois meses antes. Muito menos falaria como o público e a crítica tinham detonado minha história, iria guardar aquela derrota para mim e continuar dançando.
Não era um excelente bailarino como meus pais e minha irmã, mas poderia me beneficiar do legado da família para ao menos não terminar desempregado. Claro, eu provavelmente nunca deixaria o corpo de baile, nunca iria me tornar principal, mas já tinha aceitado que não estava fadado a ser o protagonista de nada em minha vida.
Sina: E as garotas? - Quis saber, me fazendo revirar os olhos, ela não viu isso, mas deve ter sentido minha insatisfação, riu baixinho e falou. - Quem sabe conhece alguém legal em Santa Cruz e vem morar aqui perto de mim.
Não aconteceria, eu estava preso a New York, à nossa mãe e Sina sabia disso.
••••
Quando confirmei que iria ao seu casamento, Sina tentou me convencer a ficar hospedado no apartamento dela e de Noah, mas recusei e falei que seria melhor pegar um quarto em hotel, para que não forçasse minha presença no espaço pessoal deles. Primeiro ela me xingou, depois disse que conhecia o hotel perfeito.
E o lugar parecia mesmo maravilhoso. Um hotel perto da praia na cidade litorânea de Santa Cruz, na cidade litorânea de Santa Cruzona Califórnia. Era o mesmo lugar onde seria realizado o casamento dela em dezessete dias.
O hotel tinha três andares, por fora todo pintado de amarelo e por dentro sua decoração parecia mais como a de uma casa aconchegante. Sina me apresentou a dona do lugar e responsável pela recepção no final daquela tarde, Mary. Uma mulher que deveria ter por volta de cinquenta anos e dona de gentis olhos cor de âmbar.
Minha irmã também conseguiu fazer com que eu desse uma espiada no salão do lugar, onde sua festa de casamento aconteceria. A cerimônia, comandada por um juiz, rolaria na praia a uma rua de distância, depois os convidados se reuniriam no hotel.
Sina: Pode subir, tomar banho e se trocar para o jantar. - Minha irmã falou, em um tom de ordem, mas sorridente. - Vou ficar aqui fofocando com a Mary.
Concordei e segui para a escada. Ainda conseguia ouvir as duas quando escutei minha irmã responder para Mary quantos anos eu tinha:
Sina: Vinte e cinco anos, mas ele parece um velho rabugento.
- Eu ouvi, Sina!
Sina: Se apressa!
Minutos depois, após tomar um banho para me livrar do cheiro de avião, o que na verdade era suor pela ansiedade que senti por todo caminho até reencontrar minha irmã, trocar de roupas e comer uma maçã para não morrer de fome caso detestasse a comida do jantar e tivesse que comer bem pouco, desci para encontrar Sina.
Nos despedimos de Mary e voltamos para o carro da garota loira que adorava me fazer brincar de Barbie com ela quando éramos crianças, sorri ao lembrar daquilo, sentindo falta da nossa infância, pelo menos dos momentos que não estávamos tendo que ensaiar até a exaustão.
Sina: Você está muito arrumado. - Pontuou apontando para minhas roupas, camiseta preta sem estampa, uma jaqueta jeans e uma calça do mesmo material e cor, nos pés, tênis. Ok, eram roupas de grife que ganhei da minha mãe em meu aniversário, mas ainda eram casuais.
- Como? - Perguntei confuso. - Estou vestido casual.
Sina: Podia ter colocado bermuda.
- Quem é você pra julgar meu visual? Pintou metade dos cabelos de rosa e a outra de azul quando tinha quinze anos. - Alfinetei, ela gargalhou.
Sina: Foi tinta temporária, mas você tem um ponto. Estou feliz que esteja aqui, irmãozinho.
- Também estou feliz em estar aqui com você, Sina.
Sina: E você vai me levar ao altar. - Não era uma pergunta, era sua última escolha.
Ela sorriu e tentei sorrir também, mas estava arrasado. Nosso pai deveria levá-la até o futuro marido, não eu.
Papai nunca mais estaria lá por Sina, ou por mim. Ele tinha falecido há anos, mas o luto se arrastava pelos dias e sabia que aquela dor nunca iria cessar.
Apertei meus lábios e minhas mãos, a ansiedade disse oi, mas a contive. Não queria preocupar Sina, apenas reprimi meus sentimentos, que naquele momento eram todos sobre não ter mais nosso pai em nossas vidas.
Nunca mais, ele tinha partido para todo sempre.
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