Capítulo 3
Sina e Noah optaram por fazer a festa de despedida de solteiro deles juntos, quinze dias antes do casamento, em um bar, aproveitando que um amigo deles era dono do espaço e cedeu o ambiente abrindo mão que os dois pagassem por qualquer coisa. O dono do lugar era Alex Mandon e no meio da festa, uma Any já bêbada fofocou para mim.
Any: Acho que Alex tá querendo pegar a Sofya!
Eu estava sentado sozinho a uma mesa até ela surgir e sentar comigo, enquanto todos estavam reunidos ao redor do palco do bar, escutando outro amigo dos noivos cantar. Era James Smith, que minha irmã tinha apresentado como professor de música na escola infantil em que ela trabalhava como professora de dança. Era bom que de alguma forma Sina continuasse envolvida com dança, bem sabia como ela amava aquele universo.
- Como? - Perguntei, Any estava tão perto que podia sentir seu cheiro, morangos e rosas, era uma bagunça olfativa, mas ainda eram fragrâncias gostosas.
Caramba, a irmã de Noah também estava bem gostosa naquela noite, usando um vestidinho preto curto, com um decote em V, braços expostos e um deles encostando em mim. A pele era macia, e por um segundo me vi tentado a tocar no rosto dela para saber se também era macio como parecia ser, mas isso seria estranho e Any acabaria me dando um soco.
Any: Ali! - Apontou nada discretamente para Alex e Sofya batendo papo perto do balcão, enquanto ele preparava drinks. - Estou montando aposta com algumas pessoas que eles vão se pegar até o final da noite, quer participar?
- Mal os conheço.
Any suspirou e bebeu mais da cerveja que carregava consigo.
Any: Estou tentando fazer você se enturmar, Beauchamp. — Declarou. - Unificar as famílias e blá blá blá. - Moveu a mão e a repousou sobre meu ombro, aquilo fez com que eu me arrepiasse um pouco, mas ela não pareceu perceber. - E aí, acha que eles se pegam? - Olhei de novo para os dois, observando como pareciam próximos, mas não acreditei que nada fosse rolar aquela noite.
– Hoje não, mas acho que em breve pode vir a acontecer.
Any: Okay, o lance é de dez dólares - Avisou e a mão que ainda estava em meu ombro o pressionou sobre a camiseta que eu usava. - Você é bem forte! Me fala mais sobre ser um bailarino? - Pediu, me soltou, soltou sua cerveja também e prendeu os cabelos em um coque no topo da cabeça, os mantendo assim com uma liga que tinha em seu pulso esquerdo. Só ali notei que ela tinha uma tatuagem naquela região, os números 0303.
Quis perguntar o significado, mas fiquei na minha.
- O que quer saber sobre balé?
Any: Sei lá, sempre soube que queria isso?
Até onde ela sabia da história da minha família? Não tinha conhecimento de que desde sempre Sina e e eu fomos encaminhamos para o balé por conta da nossa mãe? Nosso pai sempre disse que poderíamos ser o que desejassemos ser, mas ela afirmava que iríamos ser bailarinos como eles e que isso não estava aberto a discussões.
Provavelmente por isso os dois acabaram se separando pouco depois do meu aniversário de oito anos, infelizmente meu pai não ganhou nossa guarda e mesmo sempre por perto era sob o teto da nossa mãe e das regras dela que vivíamos.
Úrsula era filha única de um casal de fazendeiros do Texas, eles tinham falecido quando Sina e eu éramos muito pequenos, mas sabíamos que eram extremamente rígidos e nossa mãe tinha herdado muito deles e não só dinheiro, sim autoridade extrema. Era até um ponto fora da curva ela e meu pai terem ficado juntos, já que ele era um cara pobre de uma pequena cidade no norte de Nevada que foi atrás dos seus sonhos em New York.
Ele era assim, um sonhador. Como Sina, sempre sorridente. Papai era maravilhoso, um homem admirável, um pai exemplar e o melhor bailarino que conheci.
- Mais ou menos. - Respondi, pegando a cerveja que eu bebia e tomando um gole. - Você gosta de trabalhar no hotel? - Perguntei mudando de assunto, tentando mudar também o rumo dos meus pensamentos sobre papai.
Any: É bom para conhecer pessoas novas. - Deu de ombros, olhando para o palco quando no mesmo momento James parou de cantar e anunciou que iriam abrir o karaokê. - Ok, já estou bêbada suficiente para cantar na frente de toda essa gente. - Afirmou e foi até lá, praticamente saltitando, conversou rapidamente com seu irmão e Sina, os três rindo de algo juntos.
Depois Any estava no palco com James, falou para ele qual música queria cantar e o professor ajeitou tudo no karaokê para ela. A canção escolhida foi Penny Lane dos Beatles, o que ocasionou um aperto em meu estômago.
Eu amava Beatles, o problema não era esse. Só que aquela canção me fazia pensar na Penny que conheci meses antes, a dona de um Instagram que falava sobre livros.
Comecei a segui-la em janeiro, quando estava querendo manter contato com mais pessoas que falavam sobre leitura na internet para divulgar melhor meu livro quando ele fosse lançado.
Penny, a garota do Instagram, não mostrava seu rosto, muito menos sua voz e nem dizia em qual lugar do país morava, era tão protetiva com sua identidade quanto eu, que usava meu pseudônimo Jude - referência a outra canção dos Beatles para explorar o mundo literário, também ocultando minha voz e imagem. Porém, troquei mais mensagens com ela do que com outras pessoas da área e em algum momento até falei que morava em New York.
Quando publiquei meu livro, de forma independente, apenas no formato e-book, Penny foi uma das primeiras pessoas a ler. Ela também foi uma das primeiras a criticá-lo, em uma longa resenha, falando coisas como:
"Superficial."
"Não consegui criar vínculo algum com o personagem."
"É o primeiro livro do autor, talvez no próximo ele entregue algo melhor."
Ok, ela não foi a única a criticar meu livro e teve gente que criticou de forma muito mais negativa, mas a resenha dela me pegou de surpresa. Nas conversas que tivemos acreditei que Penny iria amar meu livro e isso não aconteceu, não chegou nem perto de acontecer.
Eu a bloqueei no Instagram e nunca mais trocamos nenhuma palavra. E toda noite, a palavra superficial escrita por ela em sua resenha me assombrava, era como eu me sentia.
Nada me envolvendo era extraordinário, eu sempre estive às sombras, dos meus pais, de Sina, de outros bailarinos e com certeza de outros escritores. A ideia de lançar um livro foi burrice minha, não era meu lugar, nunca seria, era um impostor naquele meio e todas as críticas positivas, ok elas também existiram - ou mensagens falando que tinham amado o livro deveriam ser piada das pessoas que as proferiram.
Não, eu não era bom e as críticas negativas, inclusive a de Penny, eram as que estavam certas. Por isso nunca mais escreveria nada, todas as ideias que vez ou outra surgiam em minha mente, desde que era uma criança com paixão por livros, seriam trancafiadas lá.
Bailey: Ei! - Uma voz masculina chamou minha atenção, tirei meus olhos de Any cantando no palco, mas nem estava de fato conseguindo prestar atenção nela cantando. Não com a ansiedade chegando até mim, suor na nuca, mãos geladas e trêmulas, o coração disparado. - Quer beber mais alguma coisa? - Era Bailey May, genro de Mary, a dona do hotel, o homem era casado com João, aparentemente a melhor amiga de Any. Noah e Sina tinham me apresentado aos May mais cedo, também seriam padrinhos no casamento, como Sofya, Alex, Any e eu.
- Não, só... - Me levantei, as pernas meio vacilantes. - Preciso ir pegar um ar. - Ele concordou com um aceno de cabeça e segui para fora do bar.
A rua estava cheia, o que me fez pensar que Alex deveria amar muito Sina e Noah para fechar seu bar só para eles por uma noite de verão em plena cidade lotada de turistas. Encostei meu corpo na parede externa do bar, o segurança do lugar conversava com outros convidados da festa que estavam lá fora fumando.
Fiquei ali um bom tempo, controlando minha ansiedade e estava um pouco melhor quando Any surgiu. Ela colocava uma jaqueta, que eu tinha visto Noah usando mais cedo, por cima de seu vestido e se aproximou de mim.
Any: Te afugentei ao cantar?
Aquilo me fez sorrir, ela se apoiou na parede como eu.
- Só queria respirar um pouco aqui fora, canta bem.
Any: É o luto? - Perguntou, franzi o cenho e ela esclareceu. - O que está sentindo agora, tá pensando no seu pai e ficou devastado? Acontece comigo sempre.
- Mais ou menos, pensei nele quando você perguntou do balé. - Respondi sinceramente, ela fez uma cara de culpa. - Agora estou com outras coisas na cabeça.
Any: Foi mal ter colocado isso em jogo.
- Sem problemas. - Engoli em seco, pensando se eu teria coragem de contar para meu pai sobre o livro se ele estivesse vivo. - Seu pai...
Any: Faleceu quando eu tinha dezoito anos. - Contou. - Sofreu um AVC quando eu tinha pouco mais de dezessete, ficou um tempo internado, depois precisando de cuidados intensivos em casa e alguns meses após Noah e eu fazermos dezoito ele teve outro AVC e faleceu. - Ergueu a manga do lado esquerdo da jaqueta e mostrou sua tatuagem.- É a data do aniversário dele, gosto de carregá-lo comigo por aí.
- Sinto muito, Any. Você e Noah eram muito novos quando aconteceu.
Any: É, com certeza não foi fácil. — Desencostou da parede e ficou diante de mim, os olhos castanhos tinham um brilho molhado por conta das lágrimas que ela segurava.
- Ele trabalhava com o que?
Any: Pesca, ele amava.
Imaginei Any e Noah crianças em um barco, junto deles um homem todo feliz por estar fazendo aquilo que amava junto dos filhos. Era como meu pai deveria se sentir quando Sina e eu dançávamos com ele, feliz e realizado.
Ainda assim, queria ter contado para papai que queria mesmo ser um escritor. Ele me apoiaria, mesmo que eu fosse péssimo com aquilo, iria incentivar meus sonhos. Mas, novamente, não queria ser apoiado por pena.
- Qual foi a última coisa que você disse para ele? - Perguntei, pensando nas últimas palavras que falei para meu pai.
"Não vou a praia com você e a Sina, irei ensaiar com a mamãe."
Eu me arrependia daquilo amargamente, perdi um final de semana com ele e minha irmã, poderia ter curtido os últimos dias do meu pai ao lado dele. Porra... e se eu estivesse naquele carro também e as consequências fossem outras? Teria morrido no lugar do meu pai? Teria perdido a perna no lugar de Sina.
Any: Cantei All You Need is Love dos Beatles, ele internou depois do segundo AVC e ficou um dia lá até falecer, era a música favorita dele. - Deu um pequeno sorriso. - Acho que já estou bem bêbada para estar aqui contando esse tipo de coisa para o cunhado do meu irmão que mal conheço. - Seus olhos voltaram a se encontrar com os meus. - Sina sentiu muito a sua falta, Josh.
- Também senti muito a falta dela. - Senti as lágrimas em meu rosto, sem nem conseguir lutar para as conter. - Até onde sabe sobre tudo que rolou?
Any: Sei tudo. - Admitiu. - Ela contou tudo para mim, Noah e Sofya.
Concordei com um aceno de cabeça e limpei o rosto.
Any: Vamos entrar e beber mais - Falou, estendendo uma mão para mim, hesitei, mas uni nossas mãos. A dela era quente contra a minha suada. - E você ainda precisa subir e cantar no karaokê.
- Hey Jude, que tal?
O sorriso que ela abriu me fez sorrir de volta.
Any: Você é fã de Beatles como eu, Beauchamp?
- Sou sim.
Any: Ok, gosto muito mais de você agora!
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